Um presente para Estrela

Um presente para Estrela 

Madu Machado


— Você sabe que o conceito de um aniversário surpresa é chegar antes do aniversariante, não é? — pergunto para Andressa que está caminhando ao meu lado. Tento acompanhar suas passadas, mas o salto que estou usando torna isso quase impossível. Sem falar do vento forte que toda hora joga meus cachos direto no rosto. 

—Relaxa Estrela, a Amandinha só deve chegar no bar daqui a uma hora. A Mari e a Babi já estão lá arrumando as coisas e a Dandara já está chegando com o bolo — Minha amiga responde, sem dar muita importância para a minha paranoia de sempre com horários- Só vamos passar na Dominique rapidinho, preciso entregar essa doação.

Andressa está carregando uma bolsa enorme com vários tipos de ração dentro. Ela constantemente ajuda sua prima, Dominique, que resgata vários animais em situação de risco e cuida deles para que possam ter um lar depois. Foi em um desses resgates que ela conheceu a Ninna (sua poodlelata, como ela ama chamar) e se apaixonou, tendo agora uma companhia leal e que tem o hábito de revirar o lixo mais vezes do que minha amiga gostaria. Ela insiste em dizer que foi amor a primeira vista e apesar de eu adorar animais não consigo entender como isso funciona. Continuamos andando e quando estamos esperando para atravessar a rua percebo que Andressa está me encarando e diz: 

— Tá toda arrumada e toda bonita assim, já sei até o porquê. 

— É mesmo? — me faço de desentendida. 

— Tenho certeza que pelo menos um crush seu vai estar lá. Agora faz sentido também você ter insistido tanto naquele bar. 

— Mas o bar é realmente incrível e você só acertou pela metade: duas pessoas que eu tenho crush vão estar lá. Vamos, o sinal fechou — Não tinha motivo para mentir, ela me conhece bem demais. 

Saio andando com sua risada me acompanhando e quando estamos no elevador ela pergunta: 

— Quem são? 

— O Caio, aquele todo tatuado que trabalha fazendo os drinks e também a Anny, a cantora que vai se apresentar hoje. Depois que ela raspou o cabelo ficou ainda mais linda, acho que já te mostrei o Instagram dela — digo suspirando. Os dois são realmente muito lindos e se toda vez que eu for pegar bebida com o Caio puder flertar e ainda admirar a Anny cantando, eu vou estar nas nuvens. 

— Sempre a mesma história, hoje o foco é a Amandinha só não esquece disso. 

— Eu consigo me concentrar nos dois. Quer dizer, nos três —dou um sorriso convencido e Andressa apenas me olha estranho antes de abrir a porta do elevador. 

Assim que saímos encontramos Dominique esperando por nós: 

— Que bom que vocês vieram, podem entrar. 

Ela dá espaço para passar pela porta e entramos no seu pequeno apartamento. Ela tem cinco cachorros que são seus e mais um está lá esperando para ser adotado. Então você pode imaginar como é a sala dela: cheia de animais por todo o lugar. Sinceramente não sei qual apertar primeiro. 

— Como está a Ninna? — pergunta, enquanto fecha a porta.

— Aprontando, acho que ela sempre vai se comportar como um filhote. 

— Imagino, vi as fotos e ela está linda! Estrela, pode ficar à vontade enquanto eu vou arrumar isso aqui lá na cozinha com a minha prima. 

Olho mais uma vez para a sala ocupada por vários cachorros e escolho sentar no sofá do lado da Filó, uma cadela de porte médio com pelos pretos. Ela chega mais perto para que eu possa fazer carinho e quando passo a mão pela sua orelha vejo uma cicatriz grande e feia. Aquilo foi fruto de maus tratos do antigo dono e Filó deve ter sofrido bastante até fugir e ser encontrada toda machucada por Dominique. Quando chegou não confiava em ninguém e sempre se encolhia na presença de pessoas novas, mas com tempo e muito amor se tornou super dócil e sociável. Eu nunca vou entender o que leva alguém a mal tratar um animal indefeso e também nunca vou conseguir perdoar qualquer um que faça isso. 

Estou tão distraída fazendo carinho na Filó que tomo um susto quando sinto alguma coisa pular no meu colo. É aí que vejo que a “coisa” é um gato preto e branco pequeno subindo no meu colo e está me encarando com seus olhos verdes como quem diz: “relaxa humana”. Como fico parada apenas encantada com aquele gato ele se sente confiante para se aconchegar mais e se enrosca todo até não passar de uma bolinha. E fica lá, como se não tivesse melhor lugar para estar. 

— Eu não sabia que você tinha um gato — digo quando Dominique volta para a sala com Andressa. 

— Ele está de lar temporário, é o único filhote macho da última gata que eu resgatei e também o que sobrou. Chamo ele de Frajolinha. 

— Quero ficar com ele — digo, num impulso e o pego no colo de modo que posso encarar seus olhos verdes mais uma vez. Uma onda de carinho explode no meu peito e posso jurar que encontro a mesma expressão nos olhos dele. — Só não posso hoje. 

— Sim, sem problemas. O que acha de passar aqui amanhã e podemos conversar? 

— Perfeito- respondo sorrindo e completo me dirigindo ao gato — Só temos que pensar um outro nome pra você, acho que tem cara de Joaquim. 

Seu olhar mais uma vez me responde, como se dissesse “Tudo bem, vocês humanos sempre acham que estão no controle. Mas eu até gostei de você”. Estou sorrindo e agora entendo o que minha amiga quis dizer sobre amor à primeira vista por um animal. No meu caso é esse sentimento misturado com a sensação de que acabei de conhecer meu anjo da guarda, já que aquele gato parece ser bem mais sensato do que eu. É Joaquim, acho que você tem um longo trabalho pela frente.



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