O Pequeno Harry


O Pequeno Harry




Eram exatamente duas horas da manhã quando a minha garganta seca pediu por um gole de água gelada. Ainda sonolenta desci as escadas devagar segurando o corrimão de madeira maciça. O fuso horário do Brasil para Londres atormentava o meu corpo cansado e exausto. A mudança repentina de emprego, o divórcio e a falta de dinheiro com certeza tiravam a minha paz. 
Eu estava literalmente ansiosa pelas novas oportunidades que iriam surgir ao longo dos próximos meses. O destino finalmente lutava a meu favor. 
Após a ida rápida à geladeira percebi um som alto e barulhento vindo do meu estômago. A salada de alface e tomate com certeza não tinham surtido efeito no jantar. O único meio de amenizar a situação seria preparar um delicioso e suculento pão com manteiga na chapa. Era isso ou a minha fome matar ia-me sem dó ou piedade. 
Peguei a frigideira no armário e a coloquei direto no fogão. Liguei o gás e risquei o fósforo acendendo o fogo. Ao mesmo tempo, em que o meu lanche da madrugada aquecia a chuva fria que começava a cair. Os raios e trovões iluminavam o ambiente escuro e sinistro. Era como se eu entrasse num mundo paralelo sendo dominada pelo medo e angústia.
O meu coração disparou. Um arrepio estremeceu a minha coluna e petrificou os músculos e nervos que me sustentavam. A sensação de estar sendo vigiada veio à tona. Sem perceber o cheiro de queimado, eu apenas observava, com os meus olhos fixos e aterrorizados, a sombra de um menino. Ele estava do lado de fora me observando pela janela embaçada.
Encarando-me com os seus olhos negros, cabelos loiros e mãos pálidas o ser fantasmagórico não obtinha nenhum sorriso na sua face. A tristeza dele emanava por lágrimas que escorriam até a grama verde. Eu não sabia o que fazer! Não sabia o que sentir. Talvez um pouco de medo com amargura que preenchia o meu peito. Ele não estava vivo isso era um fato. Mas aquela criança poderia ser o filho que nunca tive. A pergunta que não queria calar era o motivo daquela aparição. O que queria de mim? 
Apaguei o fogo para não haver um incêndio, fui até a porta e aflita girei a maçaneta. A pobre alma de um garoto, sozinho e perdido vagando entre o céu e à terra, aguardava-me impaciente. Quando notou a minha presença começou a correr em direção à garagem.
Segui os seus passos e parei a poucos metros de uma roseira. Uma pá aguardava-me e eu sabia qual era o meu dever. Apenas cavar. 
Antes do nascer da manhã os ossos do pequeno Harry já apareciam entre a lama e os vermes rastejantes. Os noticiários e a polícia local logo saberiam do paradeiro desconhecido até então do filho de Jane e Richard Thompsons. Antigos proprietários da minha atual residência.
A verdade nua e crua viria à tona da forma mais cruel. O assassino Jhonas Nickson confessaria o seu crime e pegaria a pena de morte.
Seria um serial Killer a menos no mundo. E no final antes de o pôr do sol dar a sua graça, pude ver uma cena incrível. Que além de iluminar a minha vida traria uma paz sem igual! O meu novo amigo partindo como um anjo no céu! Despedindo-se com um imenso sorriso no seu rosto completamente feliz.





Comentários

  1. Estórias de espíritos aprisionados por causa de "unfinished business" são sempre bem-vindas também.

    ResponderEliminar
  2. Adoro essas histórias sobrenaturais. Não estamos sozinhos. Nunca.

    ResponderEliminar
  3. Uau Adoei...
    Muito bom!!! Quero maia

    ResponderEliminar
  4. É uma história que tinha tudo pra ser batida, mas surpreende pela simplicidade e a leveza da partida do garoto. Gostei bem, viu!

    ResponderEliminar
  5. Excelente texto, simples, direto e bem escrito, amei muito

    ResponderEliminar
  6. Parabéns Fabi, muito bom, gostei. Quero mais

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

A culpa é minha?

FALA AÊ! (Crônicas do Cotidiano Carioca)

ROUPAS (OU PEQUENAS COISAS DE MENINO)