Por que gostamos de terror?

Por que gostamos de terror?

Renato Dutra

Desde que aceitei o convite da Vanessa Nunes para escrever nesta coluna, fiquei pensando em algo interessante para colocar aqui. Algo que, ao mesmo tempo, me desse prazer em pesquisar e escrever e instigasse a você leitor que dedicou um tempo do seu dia para trocar esse dedo de prosa comigo.

Foram várias idas e vindas pelos meus livros e rascunhos na busca pelo “o que escrever”. Uma certeza eu tinha: seria referente a terror. Mas qual gênero? Um conto? Uma resenha? O que escrever? Foi então que ecoou em minha cabeça a pergunta que tantas vezes eu ouvi ao longo da minha vida e nunca soube responder bem ao certo: “Por que você gosta tanto de ler estas histórias de terror?”

Vamos lá, agora é a hora de enfrentar esta pergunta de frente. Mas, por que mesmo eu gosto de ler, assistir e escrever terror? Por que uma pessoa gasta tempo e dinheiro para sentir medo? Ah! Mas alguém pode dizer: “ninguém gosta de sentir medo e nenhuma pessoa normal paga para isso”. Será? Me ajudem a pensar, qual é a maior fila no parque de diversões? De todos os parques que eu fui, sempre, a maior espera era pela famigerada montanha russa. Então já cai por terra a alegação de que ninguém gosta de sentir medo.

Pensem comigo, partindo do exemplo da montanha russa, podemos chegar a duas possibilidades de conclusão. Ou as pessoas que esperam pacientemente por horas na fila para sentir medo por pouquíssimos minutos são anormais, ou existe uma explicação mais plausível para esse mistério. 

Com um pouco de pesquisa é possível encontrar a chave para a resolução da incógnita do parágrafo anterior. O segredo está na dopamina. O Homo Sapiens, nos primórdios da sua evolução, vivia em constante risco de ser devorado por animais maiores e o medo era uma forma de defesa dos nossos ancestrais das cavernas. Nessas situações de risco, o cérebro libera os neurotransmissores adrenalina, endorfina e dopamina, que são responsáveis pelas reações de defesa do corpo. Atualmente, não precisamos ter mais a preocupação de ser devorado por um animal selvagem; porém, esta defesa biológica continua nos acompanhando e ao lidarmos com ela em um ambiente controlado literalmente somos inundados por dopamina, que é a responsável pela sensação de bem-estar do organismo, ao perceber que não está em risco real. 

Essa explicação biológica até responde à questão proposta, mas não me satisfaz. Então, vamos tentar ir mais fundo nesta busca. Mas, por quê? Bem, porque somos curiosos e é justamente esta curiosidade nosso próximo elo. A curiosidade é inerente ao ser humano e o medo transita justamente pelos terrenos do mistério. Daí mais uma explicação para a ambígua relação entre medo e prazer. 

Outro fator que me atrai para os caminhos do terror é a sua capacidade de representação social. Lembro-me que na época do curso de Letras eu era considerado meio esquisito por causa do meu gosto inusitado por livros de terror. Ainda mais quando tive a brilhante ideia de estudar O Iluminado do Stephen King no Trabalho de Conclusão de Curso. Naqueles dias, eu costumava dizer que a Literatura que perduraria do nosso tempo era a de terror e que nossa geração seria estudada a partir desses livros. Atualmente, continuo pensando da mesma forma e isso nos leva a mais um motivo de eu ser tão fascinado por terror: Sua possibilidade de representação social

“Mas quem é você para afirmar alguma coisa em Literatura?”. Ouvia muito isso e ficava contrariado cada vez que essa frase rasgava meus ouvidos. Mas, realmente, quem era eu para afirmar qualquer coisa? Então vamos usar aqui mais um truque aprendido naquela época: “A arte da narrativa é uma das formas vitais pelas quais tentamos compreender nossa vida e o mundo, muitas vezes horrível, que vemos a nossa volta”. Essa afirmação do professor de Literatura e escritor Stephen King serve de argumento de autoridade para corroborar a tese de que a ficção de terror é uma forma possível de reflexo da realidade. A possibilidade de a nossa época ser estudada a partir da prolífera produção artística de terror me encanta.

A capacidade representativa citada acima também pode ser considerada como um fator de perpetuação dessas histórias. Se antes tínhamos monstros invadindo castelos, vampiros sugadores de sangue e criaturas criadas em laboratórios em busca de vingança, passando por insetos gigantes vítimas de radiação, invasões alienígenas e slashers implacáveis, atualmente temos o medo da extinção em massa por meio de algum vírus mortal. Não me refiro ao telejornal de hoje ou de qualquer dia desta semana; mas a ficção já vem flertando com esta possibilidade há algum tempo. Duvida? Qual é mesmo o enredo do livro Dança da Morte do Stephen King? O que causa uma epidemia zumbi? Já assistiu ao filme Sul Coreano Flu, de 2013?

Bem, infelizmente, nossa prosa está chegando ao fim. Mas eu volto para mais um bate papo em breve. Ah! Antes de ir de vez, gostaria de citar uma informação que li recentemente, o fato de a maior incidência de picadas de cobras ou outros animais peçonhentos é justamente enquanto a pessoa está sentada e descontraída, geralmente lendo, ou seja, não custa nada dar uma olhada embaixo da cadeira.



Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Adorei o texto! Parabéns! Compartilhado.

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  3. Adorei o texto! Parabéns! Amo terror também, apesar de que, nessa quarentena, tenho preferido coisas mais leves 🙈

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  4. Exatamente! Terror é morte, mas também é vida! 🙂

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  5. Parabéns, Te! Excelente texto. Terror é um dos temas que mais curto na ficção ou não.

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  6. Muito bom, meu amigo! Seus pensamentos em relação à necessidade de as pessoas buscarem pela sensação do medo, mas em um ambiente controlado e sem "perigo real" se assemelha muito ao que eu penso. Inclusive, gosto muito de explorar esses conceitos nas minhas obras. Continue produzindo sempre! Abraço!

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