A Dama e o Casarão

Lia Helena Giannechini

Conto histórico romanceado, da cidade de Piracicaba, dando voz a uma personagem, Ermelinda Ottoni Queiroz que esteve muito presente na construção da história de Piracicaba.



Ah! Minha amiga Anna Elisa[1], não sei se você já sabe disso, mas, creio que deve ser domínio público, que fomos obrigados a casar com separação de bens e toda a nossa fortuna voltou-se para a família do meu querido Lulu. Nos anos que estivemos juntos, ele esqueceu-se de deixar escrito um testamento para que eu pudesse gerenciar nossos bens e nisso ele errou. Mas, ainda assim conservo nossos planos como meus e não descansarei enquanto a Escola de Agronomia não estiver pronta.
Ela, por quem eu tanto fiz, ainda está nas mãos do governo, como projeto. E nossa construção na fazenda a moscas mortas, até agora. Depende hoje da Administração Nacional, que ela se torne realidade, um sonho que eu sempre tive junto ao meu Lulu. 

Nossa vida era poder fazer a Escola se concretizar, trazendo os benefícios necessários à região que amamos. E que em vida, Lulu, em sua ânsia de ver nosso país crescendo e prosperando, trouxe para Piracicaba novas espécies de plantas, adquiridas de suas viagens a Europa, para colorir ainda mais a beira-rio, dessa cidade que tenho que se tornou meu lar de coração. E mesmo, como eu já te contei outrora, eu tendo colocado parte de minha fortuna pessoal nessa empreitada, para que o sonho dele se efetivasse, ainda assim grande parte de nossa fortuna ficou para a família dele. E eles em nada fizeram para que esse sonho se tornasse realidade.

Os irmãos dele, nunca o apoiaram. Sempre o tiveram como um brincalhão, que não servia para os negócios. Mesmo ele tendo criado a primeira usina de eletricidade do Brasil, em Piracicaba, movida pela força das águas, a primeira indústria de tecelagem, com o nome de sua tão querida mãe Francisca e ter aclimatado no Brasil tantas espécies raras de plantas que poderiam servir para a indústria como o Cinamomo, que substitui o eucalipto, com maior aproveitamento de sua madeira e o preço mais rentável de suas mudas. E eu agora apenas estou aqui, rezando como sempre faço, para que a Escola possa ser aberta. E como sei disso tudo? Sempre acompanhei meu marido em todos os negócios que ele fazia.

Sabe, minha amiga, eu sei que sua família, como eu passaram por muitos dissabores. E deve compreender como Lulu se tornou triste e acabrunhado com tanta demora da parte de nosso governo, em fazer acontecer a tão sonhada Escola. Ela é a presença viva dele em minha vida. E quando eu dava aulas de catecismo, na paróquia de São Benedito, em Piracicaba, ao subir a rua XV e avistar a força do nosso Rio de Piracicaba, lá de cima da matriz, eu rezava para que Deus em sua infinita bondade pudesse conceder a condição para que esse sonho se tornasse realidade.
Sei que as andanças de sua gente também tiveram esse peso. E estando tão perto de nós, poucas vezes lhe encontrei em nossa Matriz. Teria muito prazer em recebê-la em nossa casa. Eu lhe mostraria as peripécias de meu marido, para que as suas plantas tivessem novos donos. Você iria rir da estratégia que ele criou, colocando um guarda, para que “ninguém” roubasse nossas valiosas mudas. Despertando a curiosidade de nossos vizinhos e atraindo para nossos jardins pessoas que assim, ao furtá-las, pudessem disseminar esse “bem valioso”. Elas eram nosso tesouro pessoal.
Cada muda que ele dava a algum conterrâneo da cidade era perseguida, para saber se a pessoa esteve cuidando muito bem, afinal, a doação ocorria com a condição de preservarem o mesmo amor que temos por nossos jardins.
 Ao introduzir no Brasil espécies que conseguimos aclimatar, fazíamos de nossas margens um terreno fértil de crescimento de tantas plantas que aqui, puderam tomar conta de uma área de expansão e crescer abrindo o leque da diversidade. Em negócios, destrezas ou produção, nossa ideia era fazer um parque de mudas onde a vida, que corre tão solta e aconchegada nos berços desse rio caudaloso, atravessando grande parte de nosso estado, pudesse deixar o rastro de um tipo de margem significativa para grandes produções.

A vida de empresas que subsidiam as máquinas que hoje se tornam a grande força motriz de nosso estado, em cidades da Europa já ganham grande prestígio. Eu comparo o Rio de Piracicaba ao Reno que vejo quando vou à casa de minha irmã em Paris. Ainda hoje, eu a visito e percebo quão grandioso era o pensamento de Lulu. Apesar dele morrer tão acabrunhado, o fato dele ter implantado a primeira hidroelétrica de nosso estado de São Paulo em Piracicaba, em nada contribuiu para que seus irmãos o vissem como um grande empreendedor de nosso estado.
Acho que em tudo o que ele fazia, existia uma tentativa de ser acarinhado pela família, e ser considerado um grande empresário como a memória de seu avô, o brigadeiro Luiz Antônio o obrigava a perseguir. Nem era seu grande pai a figura mais importante em sua vida. Da época de criança, nas laranjeiras e fazendas da região que ele via crescer, multiplicar-se e dar grandes somas de dinheiro, quando acompanhava seu pai às fazendas do interior, em épocas de férias escolares.

Como seu pai, Lulu tinha paixão pelas plantas.
E sempre que ganhava algum tipo de muda, tratava-a como um bebê que precisava de muitos cuidados para se desenvolver. E nisso, desde pequeno já sabia o que queria. Por isso foi estudar na Suíça. Lá a produção de mudas é uma das coisas mais invejáveis que existe. A terra é muito bem trabalhada, para que o solo renda grandes extensões de culturas.


Vendi nossa fazenda para os franceses, amigos de minha irmã. Eu já não poderia fazer dela algo que me desse mais sustento. Ela estava recheada de recordações. Em tudo existia a mão inovadora dele. Em cada lâmpada eu recordava seu sorriso maroto, que eu tanto amei. E fiquei com o casarão, que eu espero que se torne um grande marco de construção aqui em Piracicaba, principalmente pelo lindo jardim em redor da casa. Dentro dela existe todo o conforto de uma casa moderna. Com a cozinha toda equipada, com peças que vieram da França. Sabe que é dali que eu fazia as refeições para os trabalhadores da construção da Escola? É minha amiga eu me empenhei para que esse sonho pudesse ser realidade. Ele me deu este casarão, onde estou rodeada de um bosque de plantas que fomos trazendo em nossa viagem. Em nossa casa sempre recebemos pessoas ilustres para nossa convivência internacional. É nessas viagens que visualizamos tudo o que queríamos que existisse nesta cidade. Ela não tem fronteiras para nós. Por isso trazemos o que há de melhor para nossas plagas.
A casa em si é de uma beleza imensa. Fica à beira rio. Descendo alguns metros estamos lá nas margens desse rio tão caudaloso. Quando há enchentes nossa casa está protegida pela encosta deles. Os quartos dão para a parte de traz da casa com esse bosque que nos abriga, escondendo nossas aventuras de outras pessoas mal intencionadas.
Não sei se te aborreço falando dele. Mas, restam-me poucas recordações dessa época. E, nosso amor sempre esteve em primeiro lugar.  É com ele, que mesmo sendo despojada dos bens, pela família dele, ainda assim, meu amor permanece inabalado. Hoje vivo dessas recordações, não fosse as viagens a Paris, que faço para ver minha irmã.
Quantos sentimentos ainda trago comigo e só posso revelar a você, minha amiga. Depois de tantas mazelas com a família dele, meus entes queridos não suportam que eu fale de Lulu e ele sempre foi minha vida. E lhe confesso que não seria tão prendada, se não fosse o incentivo dele. Mas, em minha casa esse assunto é proibido. Não se fala, simplesmente.
Quando me vejo em orações peço a Deus que me torne cada dia mais temente, para que a bondade Dele, derrame luz para os que aqui comigo convivem. Nada mais justo poder ter a memória de um marido, por quem eu tive o privilégio de ser apaixonada, por tão poucos anos.
E posso te dizer minha amiga, que eu começaria tudo de novo, se preciso, para que o seu sonho, aliás, nosso, se tornasse realidade.
Acho que você deve me achar um tanto maluca. Mas, o que há de ser das mulheres em nossa época, que afrontam o mundo masculino e fazem o que fazemos, para que o mundo não seja apenas de homens. Como você, eu aprendi com Lulu, tudo o que uma mulher precisa para que uma fábrica ou uma escola pudessem ser construída. E nisso, tenho na família dele, grandes exemplos, de que temos que nos dar o direito de fazer o que é preciso, para nossa gente viver melhor.
E eu sempre acreditei que a educação, como eu recebi, abre as portas do paraíso aqui na Terra. Os portões só se abrem quando podemos enfrentar com conhecimento, nosso mundo, em constante renovação. Talvez Piracicaba, saiba um dia, que perdeu um grande aliado em seu crescimento.
E o pouco que me resta está se destruindo no Paraná com esses grileiros que invadem as propriedades. Agora o que quero é apenas sua sincera amizade de que estas palavras fiquem entre nós. Para que saibam um dia da dor que estou vivendo, mas, que ainda acorrento a esperança de ver nossa Escola funcionando.



[1] Anna Elisa, personagem fictícia, bisneta de Dona Margarida fundadora da cidade de Santa Barbara D´Oeste. O nome é homenagem a avó da Antonio Carlos de Oliveira Campos, nascida nessa cidade.



Comentários

  1. Amei o conto! Parabéns! Adoraria saber mais. Será que a ela verá a escola funcionando?

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    1. Este é um capitulok que com certeza terei que escrever Hoje ela é a Esalq Escola Superior de Agronomia. É o orgulho dos Piracicabanos

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